sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Xenofobia só na Europa... né?

A Problemática

Os europeus só gostam do que é do país deles. Barram a entrada de brasileiros na Espanha, discriminam árabes na França, sobretaxam produtos que não sejam da indústria nacional, para dificultar sua compra... são maus né? O brasileiro não! Nós somos receptivos, somos alegres, somos criativos, temos o nosso “jeitinho brasileiro”, que é essa capacidade que só nós temos de nos adaptar... somos também um povo mais solidário.... enfim, somos superiores aos outros povos... opa... peraí.... é assim que os brasileiros pensam.... então nós somos xenófobos? Meu Deus!

Os fatos

Aqui temos essa fama autoproclamada de receptivos e amantes do que é de fora. Então vamos aos fatos. Qual de vocês nunca reclamou ou viu alguém reclamar porque o nome de uma papelaria é Paper World e não Mundo do Papel?

Mais um exemplo? Você já ouviu alguém dizer “rock não é nacional! Cadê o baião e o xote? É a isso que devemos dar valor”. Por essa lógica, estou com problemas. Eu faço stand up comedy... isso não é brasileiro. Não deveria fazer, porque é americanizado... opa! Os estadunidenses também não deveriam fazer, é de origem inglesa. Opa again (desculpe, não resisti), os ingleses, assim como outros povos europeus, herdaram a cultura de fazer humor em palcos dos gregos. Conclusão, stand up comedy é coisa de grego. Acho que o nome original era standapós komedikós.

Vamos a fatos mais concretos. Surgiram projetos de lei tanto no Rio de Janeiro, quanto no Paraná e até em âmbito federal (não vou citar nomes para não parecer politicagem em época de eleição, mas é só pesquisar que você descobre) querendo proibir o uso de línguas estrangeiras na publicidade! Liberdade de expressão pode ser posta em jogo quando o objetivo é defender a língua nacional, não é isso? Agora uma pergunta: defender de quê?


As justificativas

Por que não usar língua estrangeira em nomes de lojas? “Temos que escrever de um jeito que todo mundo entenda”. Já temos um problema aí... se a gente escreve, já exclui os analfabetos. “Ah, mas quem não lê é minoria”... Então significa que as minorias não precisam ser contempladas? Ah, tá... entendi...

Então, já que é pra deixar de escrever em inglês, para que todos entendam, vamos avançar esse processo. Sugiro que se implante uma lei com as seguintes especificações:
- É proibido escrever em inglês em letreiros de lojas, pois nem todos sabem inglês;
- Ao lado de todo letreiro, deve ser instalado um botão que você aperta e ouve o nome da loja, pois nem todos sabem ler;
- Do outro lado do letreiro, deve ser posto um outro em braile, pois nem todos enxergam letreiros;
- Embaixo, deve ser posta uma tela que dá acesso a um vídeo em LIBRAS, pois surdos têm dificuldade de ler em língua oral (basta pesquisar um pouco para saber disso).

Por que proibir língua estrangeira na publicidade? “As pessoas precisam aprender a melhor utilizar sua língua”. Já imagino o diálogo fantasioso que os autores do projeto de lei, com essa justificativa super-realista ouvem na sua mente:

- Rapaz, eu tinha muitos problemas de escrita... escrevia “serto”, “indiguinado”.
- E como você consertou isso?
- Desde que pararam de escrever “off” nas propagandas e passaram a escrever “desconto”, eu melhorei. Já até ganhei concursos de soletração!

Da mesma maneira, justifica-se a extrema importância de dar mais valor à música e outros elementos da cultura nacional do que à estrangeira porque, supostamente, nossa cultura pode ser enfraquecida.

O mito

E realmente, não tem nada a ver com a contemplação de todos, como querem mascaradamente afirmar os que dão essa justificativa. O que temos em algumas mentes mais conservadoras brasileiras é uma sensação de que a cultura brasileira tem que ser defendida das atrocidades do seu povo. Em outras palavras, você e eu não sabemos cuidar da cultura que é nossa.

Então em tese, gostar de Johann Sebastian Bach em vez de Dominguinhos põe nossa cultura musical em jogo. Escrever estrangeirismos põe nossa língua em jogo. Falar feed-back em vez de... qual a palavra portuguesa pra isso?.... enfim, põe a nossa língua em jogo.

A desconstrução do mito


Alguém pode me dizer uma língua de país industrializado no mundo que não tenha estrangeirismos? Agora alguém pode me dizer uma língua de país industrializado no mundo que tenha se extinguido por ter estrangeirismos?

Mais uma perguntinha: quando eu digo feed-back, isso é inglês mesmo? Será possível que não dá pra notar a clara marca de nossa identidade na pronúncia "fide beque"? Se você disser isso a um estadunidense, ele nem vai entender. Logo, isso não é inglês. Um brasileiro vai entender. Ah, então isso é português brasileiro. Simples assim.

E não adianta querermos buscar a pureza de nenhuma tipo (linguística, racial etc.). Hitler tentou isso e qual foi a única coisa boa que ele deixou para a humanidade? O bigodinho de Hitler nas depilações femininas. Não sei vocês, mas eu curto... ahm... voltando ao assunto...

A mistura é característica do ser humano. Isso é bom? Isso é ruim? Para mim, não há juízo de valor. Isso é humano! Eu tenho cara de caucasiano e 1,70m, altura mais típica de indígenas. Minha namorada tem cara de latina (opa... isso é mistura já) e olhos mais claros que os meus. Eu sou ruivo, de olhos bem escuros. Tenho um amigo negro, de olhos verdes e uma amiga branca, de olhos azuis e cabelos crespos. Isso é ruim? É bom? Não, é humano! E se as etnias se misturaram, a cultura também faz isso.

Eu gosto de Chico Buarque. É cultura nacional e é minha cultura. Eu não gosto de axé. É de origem africana, mas é cultura nacional também (ou não, senhores puristas?)! E eu continuo sendo brasileiro, mesmo não gostando de axé. Eu adoro os Beatles. E se cultura molda comportamentos, Beatles faz parte da minha cultura... eu gosto de rock em geral (ou o nome deste estilo de música, em português, deveria ser "rocha"?) e eu sou brasileiro. Não menos, não mais brasileiro. Apenas brasileiro.

Agora me desculpo com os senhores puristas (não digo xenófobo para não chocar)

Não fiquem chateados comigo, pelo amor de Jesus Cristo! Eita! Desculpem.. fiz referência a uma religião judaico-europeia... não vai mais acontecer. Vou tentar de novo: não fiquem chateados comigo, pelo amor do Espírito da Floresta (é assim que os índios falam? Não conheço minha própria cultura, que vergonha!). Desculpem também por escrever em português... eu não sei falar tupi ou nheengatu.



Para mais alguns argumentos relacionados ao problema de proibir palavras de língua estrangeira na publicidade, clique aqui.

Nota: pensei depois nisso e não vou colocar no corpo do texto. Mas gostaria de comentar que um exemplo máximo de xenofobia no Brasil é o movimento O Sul é o meu País, que tenta separar o Sul do Brasil. A xenofobia é tão absurda que chega a afetar seus compatriotas.