quarta-feira, 21 de março de 2012

A criminalização da ignorância

Que estamos em um mundo que reprime em vez de celebrar a diferença, disso não temos dúvida. O grande problema é que os novos defensores dos oprimidos se julgam os porta-vozes do “Viva a diferença”, mas não passam de mais uma corrente opressiva contra a diferença.

Em primeiro lugar, o discurso mais moderninho, na modinha e “descolado” é “somos todos iguais, por isso devemos respeitar a todos”. Discurso que suprime, oprime, reprime toda diferença e pensamento contrário à maré. Em primeiro lugar, não somos todos iguais. Temos, sim, igual valor. Mas não somos iguais! Ser igual não é o real motivo para respeitar alguém. O motivo de se respeitar alguém é pelo simples fato de ser alguém. Então, em vez desse discurso hipócrita de “somos todos iguais”, por que não sermos ainda mais nobres e falar “somos diferentes uns dos outros, mas devemos respeitar cada um na sua diferença”.

O grande problema está aí. Celebramos a igualdade no momento em que deveríamos celebrar a diferença. O discurso “somos todos iguais” gera mais intolerância do que se pode imaginar.

Neutralização da língua

A origem do politicamente correto se deu nos EUA, no século passado e tinha como objetivo neutralizar a língua com relação ao preconceito. Esse movimento chegou ao Brasil com a mesma ideia. Foi aí que foram substituídas palavras como “negro” por “afrodescendente”, “aleijado” por “portador de necessidades especiais”, “homossexualismo” por “homoafetividade” etc.

Qualquer linguista com um mínimo de conhecimento científico sabe que isso é não só arbitrário, como ineficiente. Acontece que a língua reflete os preconceitos da sociedade que a usa. Não é mudando palavrinhas que se muda o comportamento de um povo. É o mesmo que cortar as folhas de uma árvore para ver se ela morre.

A chave está em combater o preconceito! A língua acompanha. Porque das duas uma, ou as pessoas vão continuar usando o termo “negro” com sentido pejorativo, ou vão passar a usar o termo “afrodescendente” e atribuir sentido pejorativo à palavra.

Além do mais, controlar o uso que se faz da língua é uma medida ditatorial controladora de massas. Quanto mais parecido um povo é, mais fácil controlá-lo. Se você pega um conjunto de palavras que não devem ser usadas e impõe uma palavrinha para substituir todas as que foram banidas, você está buscando homonegeidade. Viva a diferença? Acho que não.

Não existem sinônimos perfeitos e é aberrante a tentativa de banir palavras em troca de uma, absurdamente considerada neutra. Absurdamente, digo, pois a palavra é de quem a usa. Ela nunca será neutra, pois o falante nunca será neutro. Cada palavra carrega um sentimento. Se você proíbe palavras, você proíbe sentimentos.

Coisas que não se pode dizer

Temos atualmente uma política do cerceamento da liberdade de expressão quando se considera que o que você diz fere a dignidade do outro. Se pararmos para pensar direitinho, o que hoje é considerado ferir a dignidade são palavras que a sociedade convencionou como tais. Você pode falar sobre o grupo x, pois está convencionado que não tem problema. Se você falar sobre o grupo y, você feriu a dignidade humana.

Acontece uma verdadeira perseguição àqueles que têm pensamentos considerados retrógrados, contra o atual senso comum da nossa sociedade. Essas pessoas não são instruídas sobre novos pontos de vista, são, isso sim, reprimidas, perseguidas, censuradas, caladas e, às vezes, encarceradas.
Viva a diferença? Acho veementemente que não.

Você feriu meus princípios. Você deve se calar

Eu ouvi direito? Infelizmente, sim. Exemplo disso? Pediram a proibição do comercial em que a Gisele Bündchen aparecia de lingerie. O argumento: fere a dignidade das mulheres. Vamos entender melhor: um grupo de pessoas acha que não há problema no comercial, outro grupo acha que há problemas. Como se resolve isso em uma democracia? DIÁLOGO! E obrigar o outro a se calar não é diálogo, não é democracia, chama-se censura ditatorial.

Com que direito, em uma democracia, quando alguém fere nossos princípios, obrigamos essa pessoa a se calar? Não sei, mas acontece e muito no Brasil. Em vez de sermos adultos, que discutem, discordam, exigem respeito através do argumento, usamos da censura e da truculência para, não simplesmente convencer o outro do seu ponto, mas para obrigá-lo a não falar algo que não queiramos. Tentamos arrancar o preconceito a fórceps. Agimos igual a crianças na escola que, ao ser zoadas pelos coleguinhas, chamam o irmão mais velho pra ir bater nos moleques.

“Ah, ele feriu meus princípios”. É direito seu se ofender, é direito seu questionar e dar uma resposta. Mas não é – ou não deveria ser – direito forçá-lo a calar-se. “Em uma democracia, as pessoas precisam aprender a suportar que os seus sentimentos sejam ultrajados” (Bertrand Russell, 1941).

Terrorismo contra o preconceituoso

Esse é um assunto que temos que analisar com bastante cautela. Em primeiro lugar, a primeira pergunta que temos que fazer é “de onde surge o preconceito?”. E a resposta é simples: da falta de conhecimento. Então a pergunta mais importante é: o lugar do preconceituoso é na cadeia ou em um local de instrução?

Vamos pensar concretamente. Uma pessoa é racista. Declaradamente acredita que pessoas de uma certa cor de pele são menos inteligentes. Ela fala isso em público e é presa. Agora eu pergunto: essa pessoa deixará de pensar que pessoas de uma determinada cor de pele são menos inteligentes porque foi presa? Não! Vai continuar pensando, não vai mais dizer em público, pois ficou com medo. Mas vai passar a mesma ideia para o seu filho, que vai passar pro filho e continuaremos a ter pessoas racistas no mundo.

Não se deve combater o preconceito proibindo as pessoas de dizer o que pensam! O terror à expressão de sentimentos considerados repulsivos não resolve o problema e causa novos. Não aprendemos nada com mais de 20 anos de AI-5? Combate-se o preconceito através do debate.

Então, uma pessoa que acha que pessoas de uma determinada etnia são menos inteligentes acha por ignorância. Por desconhecimento dos avanços científicos e dos conhecimentos que temos hoje. Essa pessoa tem que ser colocada em uma sala de aula, em um laboratório e em diversos lugares onde se mostre que todos os seres humanos têm a mesma estrutura cerebral, a mesma capacidade. Isso é provado cientificamente, não temos mais dúvidas disso. Dogmas são defendidos com repressão! Fatos são defendidos com argumentos e provas científicas! E isso nós temos de sobra.

E se a pessoa que foi instruída contra o preconceito não tiver se convencido e mantiver sua opinião? Paciência! Em uma democracia, ninguém tem que ser obrigado a mudar de ideia. O debate serve para tentar convencer, não obrigar.

Em resuno

Não se combate preconceito mudando palavras, banindo pessoas, proibindo de falar. Quando você faz isso, você também é intolerante e você não respeita a diferença de pensamentos. O que está sendo feito hoje no Brasil não é diferente do que tem sido feito por séculos.

O que os poderosos querem não é que as pessoas acreditem em X ou em Y. O que eles querem é que todos acreditem na mesma coisa, seja X, Y ou Z. Em uma sociedade homogênea, a facilidade de manipular as pessoas é maior. E todos estão sendo manipulados e nem sequer percebem. Acham que estão defendendo uma causa nobre. O preconceito não se combate com repressão, mas com diálogo e instrução. Mas, como sabemos, o terror serve mais a quem está no poder do que a instrução. E estamos adoecendo ainda mais o nosso país, enquanto os poderosos enriquecem vendendo placebo. Pense nisso.

Então, o que estamos vivendo no Brasil, através do politicamente correto, censura e criminalização do preconceito, passa muito longe de respeito à diferença e à dignidade humana. Estamos em um país que persegue e oprime, com o aval e a contribuição do Poder Público, quem fere os sentimentos da maioria. Viva a diferença? Estou bem convicto de que não.

Sou veementemente a favor do combate ao preconceito e do respeito à diferença. Acredito claramente que todas as etnias, religiões, pensamentos, culturas têm igual valor, apesar de diferentes. Devemos dizer não ao preconceito. Mas a maneira como ele tem sido combatido pelo Poder Público e pela sociedade como um todo não passa de uma forma modernizada (um upgrade) de intolerância. Intolerância e terror vestidos com roupinhas high-tech.


Em tempo, segue a cronologia da repressão e esforços das classes dominantes pela homogeneidade das massas, para facilitar o controle:

Antiguidade: execução de opositores ao governo ou à moral vigente
Idade Média e início da idade moderna: Inquisição
Idade Moderna: diminuiu bastante, mas o uso da religião ainda era forte com essa finalidade.
Idade contemporânea (século passado, no Brasil): ditadura e censura
Idade contemporânea (séc. XXI): politicamente correto e criminalização da ignorância

7 comentários:

Maranganha disse...

A grosso modo, a teoria sociológica de Gramsci resume-se assim:

Se analisarmos bem, veremos que se um sistema ideológico prenuncia a presença de elementos políticos, legais e econômicos específicos, então a inexistência desses elementos específicos sobre o Estado, a Lei e a Economia no sistema implica na sua contradição. Porém, quando o sistema ideológico torna-se o modelo sistemático oficial de um Estado, não há a possibilidade de se abrir mão desses elementos específicos, e isso em nome da conveniência por causa do risco de perder a nomeação oficial do próprio sistema ideológico. O modo de produção, nesse sistema ideológico, será controlado por indivíduos específicos com relações dominadas pelo fisiologismo, e o sistema ideológico, agora dominante, deterá uma relação de troca entre Dominante e Dominado. Ora, o sistema ideológico em questão, em uma época delimitada, criará uma instituição específica, através da qual um indivíduo qualquer possuirá o poder de ditar o que será e o que não será adequado para todos os indivíduos que viverem debaixo desse Estado. Se qualquer indivíduo assumir uma postura sistêmica contrária ao sistema ideológico dominante, então ele será severamente punido. Esse sistema ideológico, porém, nunca impedirá o avanço de outras áreas do conhecimento ou da cultura, mas manterá vigilância cerrada sobre os intelectuais para que, com isso, possam agir rapidamente sempre que um deles disser algo contra o sistema ideológico do Estado.

Alyson Vilela disse...

Em outras palavras, estamos sendo veladamente monitorados e controlados. É isso?

Helber disse...

Caro amigo Alyson. Você sabe que eu lhe respeito, que nos conhecemos há anos e que eu admiro muito seu trabalho de comediante. Mas Félix me mandou este texto, então tenho algumas coisas para comentar em direção oposta a sua. Isso é bom para a democracia, e para levantar questões da ordem do dia. Então vamos lá:

1. Preocupo-me com o fato do pessoal do standy comedy criar um estado de exceção nos bares onde se apresentam. Embora não funcione bem, nas leis brasileiras há crime de racismo, com as devidas punições. Pedir para o público assinar um termo "do proibidão" já parece ser um crime premeditado, é como se o documento criasse um espaço neutro, como se as leis contra racismo não existissem ali dentro. O que considero muito grave.

2. É muito lamentável ver a falta de autocrítica de boa parte dos que defendem este tipo de piada. Por que não reconhecem que é um tipo de piada depreciativa, como um palhaço cuspindo água nas pessoas, ao invés de defender um falso moralismo da liberdade? As leis brasileiras trabalham com a ideia de danos morais, enquanto ela existir, sinto muito: todo piadista terá a liberdade de contar suas piadas, mas não estará insento de, na sua liberdade de expressão, cometer Injúria e Difamação. É perfeitamente possível isso acontecer, já que testam esse limite.

3. O Standy Comedy é solidário com o bullying como liberdade de expressão? Ora, para os alunos que o pratica, não passa de brincadeira, pois expressa suas ideias sobre a pobre vítima. O Standy Comedy é solidário com as brincadeiras feitas pelo jornalismo policial, como Samuca e Anacleto Reinaldo fazem com os preso pé-rapados em favor da liberdade de expressão? Para eles, não passa de brincadeira.

A prática de liberdade de expressão pode sim ter consequências nocivas à sociedade, que já tem muito preconceito enraizado. Uma piada mal-feita sobre negros, nordestino ou mulheres pode apenas ratificar e difundir certezas já incrustadas na nossa analfabeta sociedade. Ter liberdade de expressão não é está insento de responsabilidades mínimas de cidadania, nem ter o controle cultural de como as pessoas podem se valer da piada.

Para uma última provocação: não há controle de nada. Há uma disputa no campo cultural da sociedade. Vamos fazer a seguinte pergunta maniqueísta: os comediantes não estariam querendo controlar a forma como faço minha leitura das piadas? Queria poder aprofundar mais a discussão, mas dica para uma mesa de bar.

Abraços

Helber

PATATIVA MOOG disse...

É bom ter critérios nas análises sócio-político-culturais, etc. Por exemplo: Gramsci falava de um Estado dominado pelo fascismo (de Mussolini), e de uma perspectiva marxiana bem particular (a dele - que via o Partido Comunista como o Príncipe, de Maquiavel), dentre outras coisas que poderiam ser elencadas. Enfim: a língua é, sim, instrumento político e ideológico formador de comportamentos e modificados do status, etc. Exemplo disso é a relutante inserção de alguns termos FEMININOS pelas feministas, na intenção de educador a sociedade - machista -, através de sua utilização. Enfim, e de todo modo, excelente texto, Alyson.

PATATIVA MOOG disse...

AFF! 1:
onde se lê "modificados", leia-se: "modificador"

AFF! 2:
onde se lê "educador", leia-se: "educar".

Os demais erros não são de português ou digitação.

Alyson Vilela disse...

Como disse Helber, assunto para continuar em mesa de bar. Mas tenho dois comentários:

- Helber, você se deixou levar pelo que a mídia quis dizer sobre o termo. O termo é um papel que dizia que as piadas seriam pesadas para que as pessoas entrassem já sabendo, e não um termo de compromisso para não processar. Por exemplo, eu ficaria mais tranquilo se as pessoas já fossem informadas das piadas de câncer que eu tenho. Não são preconceituosas, são sobre o câncer que eu tive, mas são pesadas e as pessoas, se não forem advertidas antes, podem se chocar em vez de rir.

- Toda e qualquer piada, repito, TODA piada é ofensiva. A diferença é que umas ofendem mais gente, outras ofendem menos gente. Alguns já são grupos sociais melhor organizados que exigiram que as piadas não existissem, outros são grupos com menor coesão. Em outras palavras, se você levar em conta a ofensa e não puder ser dito nada que ofenda qualquer grupo, a comédia simplesmente deixará de existir.

Alyson Vilela disse...

Patativa, a mudança de postura através da mudança de palavras é severamente questionada e refutada por teorias linguísticas modernas. Há ainda correntes que vêem a língua como formador de pensamento, mas isso ainda está longe de ser ponto pacífico.