quarta-feira, 14 de março de 2012

Este aluno é mais inteligente?

- Fulano é muito estudioso. Só tira 10!
- Ele não é estudioso... é inteligente. Tira nota boa sem estudar.


Como alguns que leem meu blog sabem, há muito ele perdeu o interesse em ser sempre cômico. Eu falo sobre assuntos que me dizem algo e quando sinto que posso contribuir. Esta introdução é só para dizer que tenho me preocupado com uma questão referente à educação. A questão não é nova, mas recentemente venho refletindo a respeito. Muitos de nós já ouvimos o diálogo acima.

Não vou nem discutir como notas de escola não valem grande coisa e como o método de avaliação é ineficaz e injusto. Isso fica para outra discussão. Quero falar sobre esse conceito de aluno inteligente, que é prejudicial tanto para os ditos inteligentes, quanto para os excluídos dessa classificação.

O aluno que compra a ideia de que o inteligente é aquele que consegue boas notas sem estudar pode ser prejudicado, seja ele como for:

1.Aquele que não se encaixa nesse perfil acreditará que a inteligência é dada pelo destino, uns nascem com ela, outros terão que aceitar uma vida de esforços terríveis para conseguir algo. E, infelizmente, ele é um destes. Por um lado, pode ser bom, pois ele vai se esforçar mais e vai aprender mais. Por outro, isso é terrível para sua autoestima, o que gera sofrimento e pode até gerar dificuldades de aprendizagem.

2.Se o aluno se encaixa no perfil do dito inteligente, acreditará tanto em seu potencial, que não se esforçará. Deixará de se desenvolver plenamente e terá mais autoconfiança do que seria saudável. No futuro, se deparará com um mundo que ele não conhece: o mundo em que nada se conquista sem esforço.

Alguém poderia me dizer “pode ser duro, mas é a verdade, não devemos lutar contra a verdade”. Quem diz isso teria razão e me calaria já aqui, caso essa ideia de aluno inteligente fosse verdadeira. Porém, eu simplesmente acho que este conceito é mentiroso, injusto e ignorante. Seguem alguns pontos que sustentam a minha ideia.

Estilos de aprendizagem

Existem diversos estilos de aprendizagem (Gardner os separa em sete), e cada pessoa tem maior tendência para um diferente. Claro que todos temos um pouco de cada, mas sempre com maior ênfase para um ou dois deles. Aqui, vou me concentrar nos dois mais conhecidos tipos de alunos, por serem suficientes para explicar por que considero mentiroso o conceito de aluno inteligente do exemplo acima: aluno de aprendizagem visual e aluno de aprendizagem auditiva.

O aluno auditivo é aquele que aprende mais ouvindo do que lendo. Basicamente, ele não tem muita facilidade para aprender o conteúdo de uma matéria (e, consequentemente, de uma prova) através da leitura de um livro. Por outro lado, ele ouve tudo o que lhe é ensinado e tem uma grande capacidade de concentração quando recebe informações auditivas. Ou seja, esse tipo de aluno aprende o que lhe diz o professor e o que discute oralmente, não lê em casa e se dá bem nos exames. Este é o aluno dito inteligente, pois não estuda e aprende mesmo assim.

O aluno visual, diferentemente do auditivo, tem facilidade de captar bem o que lê e escreve. Não se concentra tão bem no que diz o professor, mas, ao ler o conteúdo em casa, aprende o que necessita e se dá bem na prova.

Cada um dos dois tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem do auditivo é que ele não precisa* trabalhar mais em casa. O que o professor falou é suficiente para suas notas. Sua desvantagem é que a leitura, para ele, não é um ato tão natural e exige dele um esforço muito grande para manter a concentração. O aluno visual tem a desvantagem de precisar continuar seu trabalho em casa, porém a leitura é algo natural e ele pode ler livros com maior tranquilidade.

Analisando esses aspectos, passa a ser até estranho pensar que as pessoas consideram mais inteligente o primeiro tipo de aluno, não? Claro, tampouco o segundo tipo é o mais inteligente. Ambos têm formas distintas de aprendizagem, não podendo, de forma alguma, um ser considerado mais inteligente do que outro por isso.

* Não precisa para tirar notas boas. Mas notas boas não são suficientes para desenvolver o senso crítico de um indivíduo.

O que é inteligência?

Mesmo que considerássemos como inteligência a facilidade de aprendizagem, aqui mesmo já excluiríamos a ideia de que o aluno que tira boas notas sem ler em casa é o mais inteligente. Ele tem mais facilidade para aprender o que ouve e o outro tem mais facilidade para aprender o que lê. Ambos seriam considerados igualmente inteligentes.

Mas eu queria ir mais longe na ideia de inteligência. Não pretendo responder em definitivo o que é inteligência, mas dar uma noção mais importante do que aprender o que se ouve ou lê para a inteligência. Estamos acostumados a acreditar que a inteligência ou você nasce com ela, ou você é um azarado estúpido que vai ter que se contentar com abdicação, esforço ou trabalhos braçais. Trata-se de uma afirmação sobre a inteligência mentirosa e, até mesmo, levianamente utilizada por alguns.

Alunos que tiram boas notas na escola (e aí já entra uma parte da ineficiência da avaliação por testes com notas) não são necessariamente pessoas de senso crítico apurado. Quando você é um auditivo que ouve bem o que o professor disse ou um visual que entende tudo o que o livro da escola diz e escreve na prova o que o professor considera certo, não significa que você é uma pessoa crítica, consequentemente, inteligente (no conceito que estou tomando para inteligência). Chamá-lo de mais inteligente seria correto (e até óbvio) em uma linha de pensamento comportamentalista, de Skinner, em que o professor é um transmissor de conhecimentos. O aluno que entende o que o professor diz é inteligente, neste caso. Nesta visão, o professor é o retentor do conhecimento e ignora-se que o aluno tem um conhecimento prévio, pode obter conhecimentos posteriores e formar um pensamento ímpar. Mas a educação há muito tempo não é mais (ou não deveria ser) vista desta maneira. O professor, para exercer bem sua atividade, deve deixar de tentar fazer o que ele não pode (dar conhecimento) e se aperfeiçoar no que ele pode e deve fazer: ajudar o aluno a buscar conhecimento e, através desta prática, formular o seu próprio pensamento.

Digamos que um professor afirme que, na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha cometeu o maior genocídio da história. O aluno que ouviu ou leu isso e respondeu à pergunta “Quando e onde ocorreu o maior genocídio da história?” com “Durante Segunda Guerra Mundial, na Alemanha”, é necessariamente um aluno inteligente? Certamente terá nota máxima nesta questão, mas ele buscou outras fontes ou confiou no primeiro que falou? Ele entendeu por que afirmam que este foi o maior genocídio da história? Ele buscou saber se houve maiores genocídios que esses? Um bom exemplo de genocídio foi o que sofreram os indígenas americanos, por parte dos Portugueses, Espanhois e Ingleses. Será que ele sabe disso? Se ele não souber deste ou de outro(s) genocídio(s), que ferramentas ele tem para poder dizer que o período do nazismo foi um dos maiores ou o maior? Simplesmente porque o professor disse? Não pretendo, de forma alguma, negar que o nefasto período nazista causou o maior (ou um dos maiores) genocídio(s) da história humana. Mas digo categoricamente que um aluno não deve aceitar isto como fato só porque seu professor disse ou porque leu no seu livro de história.

Assim, não podemos considerar que o papel da escola foi cumprido se o senso crítico do aluno não foi desenvolvido. Então, considero inteligente aquele que tem autonomia para, além de receber uma informação, questioná-la, buscar outras fontes e formar seu próprio pensamento.

Desenvolvendo a inteligência

Em suma, todos os tipos de alunos têm igual potencial. A diferença está no que eles fazem dele. Não se nasce com ou sem inteligência, assim como não se nasce musculoso. Quando alguém vê um juiz, que, como todos sabem, foi aprovado em um concurso difícil e derrubou milhares de candidatos, a tendência é dizer “esse aí é um crânio, muito inteligente”. Mas o que as pessoas ignoram, são as horas e horas de estudo diários que ele enfrentou, a renúncia aos lazeres e tantas coisas mais. Os amigos indo às festas e ele estudando oito horas por dia e/ou frequentando cursos preparatórios.

O nosso corpo não desperdiça energia naquilo que não lhe é útil. Temos um organismo inteligente. Assim, nosso organismo só gasta energia fazendo crescer os músculos, se levantarmos peso. O corpo vai interpretar que precisa se fortalecer para suportar aquela carga. Com o cérebro não é diferente. Seu senso crítico, capacidade de formular suas ideias só se desenvolverá se você trabalhá-lo. Se você não fizer atividades que exijam isso, seu cérebro vai considerar que isso é inútil, já que não faz parte da sua vida.

Assim, ninguém nasce burro ou inteligente. Nascemos com uma capacidade de desenvolver nossa mente. Uns a desenvolvem mais, outros menos. E não é ouvindo o que diz um professor e respondendo igual na prova que alguém poderá se considerar inteligente. O inteligente tem a capacidade de buscar conhecimento e gerar o seu próprio. Ele lê ou ouve algo e não aceita de primeira, pois sabe que há opiniões diversas. Busca mais e, ao final, não só faz um resumo do que leu ou ouviu, mas emite sua própria opinião a respeito.

Logicamente, não é preciso ser um leitor ou um acadêmico para ter senso crítico. Um aprendiz de pedreiro que vê seu professor fazer uma parede e é capaz de melhorar a técnica e erguer uma parede mais sólida também é um ser pensante, dotado de senso crítico, inteligente no que faz. O mais importante é entender que ninguém nasce com isso como um presente dos deuses, enquanto outros foram amaldiçoados com a estupidez: é preciso buscar isso e, aqueles que conseguem, foi por esforço e mérito próprio.

Então, os alunos que aprendem bem com o que dizem os professores, que se esforcem para buscar outras fontes, mesmo que isso exija esforço de leitura. Aqueles que aprendem bem o que leem, não se acomodem na leitura que o professor considera certa. Questione, busque outras ideias. E a todos eles, o maior conselho: não se contentem com apenas uma opinião a respeito de um assunto e, se conhecer várias opiniões (o que é um passo importante), não se limitem apenas a descrevê-las. Criem seu pensamento, deem a sua própria ideia. Essa sim, é uma pessoa crítica, autônoma, que resolve seus problemas e não é enganada facilmente. Apesar de eu ter muitas restrições a esse adjetivo, me atrevo a dizer que essa sim é uma pessoa inteligente.

Por fim, não é justo consigo mesmo olhar para o outro e dizer "que sorte a dele, é tão inteligente". Ele não tem nada a mais do que os outros. O caminho é o mesmo para todos: esforço.

7 comentários:

Alice Donovan disse...

Ah, é.. Essa velha mania, quase uma obrigação, que os irmãos humanos sentem de rotular tudo e qualquer coisa. Quando eu era pequena estudava numa escola muito "fácil" de passar de ano.. nem um pouco rígida., nunca precisei estudar e sempre tirei notas absurdamente boas! Daí quando eu terminei o ensino fundamental eu mudei de escola, e essa outra era impossível de passar de ano, pra mim, é claro, que tinha estudado a vida toda numa escola fraca.. Aí o legal é que rola aquela confusão mental, você acha que tá ficando burro ou que já era burro mesmo.. Mas nunca estudou na vida, nem sabe o que é.. e é muito difícil aprender já velho..enfim.. A merda é a mesma pra qualquer um dos lados.. Se você é taxado de inteligente vai ter muitos desafetos na escola (geralmente os alunos e alguns professores frustrados), se você for taxado de burro também vai ter, fora a culpa de não fazer valer o dinheiro dos seus pais, ou o esforço deles.. enfim.. E se você acabar desistindo vai ser taxado de vagabundo... Mas acho que o pior mesmo é quando você se esforça e acaba ão conseguindo resultado.. até por causa da pressão e tal, daí você vai ser o burro esforçadinho e as pessoas vão ter pena, e aí sim, é o pior.
Acho mesmo é que as escolas deviam ser pelo menos um pouco mais humanas, ou menos humanas.. Porque o ser humano não vale nada mesmo.
Ah, e gostei do texto!

I5is disse...

Nossa, Alyson, vc fechou seu texto com maestria. Tudo é questão de esforço. Essa questão q vc levantou do aluno inteligente que aprende ao escutar foi muito relevante, uma vez q ele aprende o básico pra fazer a prova e não importa se aquilo é veridico ou não. Confesso que so dessas auditivas, hehehe. E falo de testemunho próprio, é horrivel não ter facilidade de concentração. Por exemplo, pra ler seu maravilhoso post tive que iniciá-lo tres vezes até conseguir ler até o final. Escutei umas tres musicas, vi uns dois videos e ai q firmei a objetividade aqui. Acho tambem que como educadores é muito dificil romper com os prametros curriculares, digo isso pq vc esbarra tantona vontade da cooredenção escolar quanto dos proprios alunos. Qdo vc leva video com algum documentário ou filme e tenta relacionar aquilo com a materia, os alunos acham q vc estava com preguiça de dar aula (basedo em fatos reais). MAs é claro que não podemos nos acomodar diante esse quadro etentar incutir mais senso critico e menos alienação nesses meninos.

Adrielle Vilela disse...

Exatamente! As vezes, pequenas coisas do dia a dia podem fazer uma diferença. Mas é mais fácil pras pessoas dizerem que não foram dotadas de inteligência do que dizer: eu não me esforcei. As pessoas dizem que Fulaninho tem mais facilidade de aprender, mas nunca prestaram atenção que ela tem um maior hábito de leitura, que ao inves de assistir BBB gosta de ver documentarios e por essas coisas tem um conhecimento maior de mundo. Quando alguém lê algo, tudo que você tem guardado de conhecimentos, opiniões, etc vão fazer total diferença na hora da compreensão.

Maranganha disse...

Interessante seu ponto de vista. Mas permita-me fazer uma ressalva. Estudos recentes vêm demonstrando que as pessoas são ainda mais complexas que o mero auditivo/visual. Há alunos cinestésicos (sabe aquele que só tira nota baixa mas é ótimo em educação fisica?), alunos táteis, alunos palatal-olfativos e muitos outros. E, quanto às formas de inteligência, temos uma Social, uma Lógico-Matemática, uma Naturalista. O que é inevitável, na descoberta desses estudos, é que parece haver uma concentração dessas inteligências em determinadas famílias, se manifestando até mesmo em meio a filhos adotivos em familias de estrutura mental diversa da sua, o que leva a crer que a ênfase em determinada inteligência é genética. Por isso, se você tem pais ou avós com determinada inteligência em evidência, é natural que você a apresente. Se uma família tem uma ótima inteligência linguística, o natural é que uma pessoa que nasça nessa família demonstre a mesma inteligência. Se há uma natureza mista, os filhos nascerão com essa natureza mista.

Minha explicação (aqui sim, uma especulação minha) é que em grupos sociais humanos no passado a presença de inteligências múltiplas em evidência era uma forma eficaz de divisão genética de tarefas, seja em grupos de caça, seja cuidando das crianças. Cada qual exercia o que seu cérebro estava programado para fazer, tornando sua tarefa mais eficiente e preservando o bem do grupo todo.

Mas gostei de sua conclusão. Está de parabéns.

Alyson Vilela disse...

Obrigado, Félix. :) Interessante isso. Mas acho que seu comentário ratifica o que estou falando. Como eu disse no texto, escolhi dois tipos (visual e auditivo), mesmo existindo outros, só para dar o exemplo de como funciona.

Quanto aos tipos de inteligência, acho plausível que tenhamos uma programação genética para um tipo e não para o outro, gostaria de saber mais. Mas o que eu afirmo não é que qualquer um pode ser um mestre em matemática ou em linguística. Eu estou dizendo que qualquer pessoa pode ser boa em algo. Qualquer pessoa tem potencial para desenvolver a sua inteligência (cada um para o seu lado), e não existe um que é inteligente só porque é.

Eu tenho uma mente mais voltada para a linguística, então acho que seria desperdício tentar virar um matemático, pois eu não atingiria meu máximo potencial. Porém, eu só serei bom e "inteligente" como linguista se eu me esforçar. E isso serve para qualquer pessoa.

Ricardo Caco Pereira disse...

Gosto muito da palavra "instigante". Pois bem, seu texto é isso. É tão comum rotularmos as pessoas de diversas formas e infelizmente a escola faz isso sempre com relação a notas, concentração em sala de aula...
Há algum tempo não faço "provas". Prefiro buscar "avaliar" de outras formas. Seu texto só reforça minha postura.
Abraço!

Unknown disse...

É isso aí, faço das tuas as minhas palavras!!!