segunda-feira, 12 de janeiro de 2015


"Mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Pela manhã cedo voltou ao templo, e todo o povo vinha ter com ele; e Jesus, sentando-se os ensinava. Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Ora, Moisés nos ordena na lei que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, porém, inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo. Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse-lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé."
João 8.1 – 9
 
Não sou cristão. Cito esta passagem por dois motivos: 1 – admiro muito a figura de Jesus, como exemplo de compaixão e perdão; 2 – a maioria das pessoas que conheço são cristãs. Este último ponto é óbvio, afinal, estamos no Brasil, o maior país católico do mundo. A maioria das pessoas que vejo adotar a postura citada acima são cristãs. Não porque cristãos sejam assim. Compaixão ou hipocrisia são características de cristãos, muçulmanos, budistas, ateus etc. Enfim, compaixão ou hipocrisia são comportamentos de seres humanos, independentemente do credo ou da falta dele. Digo que vejo comportamentos assim, na maioria, em cristãos, somente porque a maioria das pessoas que conheço são cristãs. É apenas uma questão de contingência e nada mais.
 
As mulheres surpreendidas em “pecado” agora são mais acessíveis. Você vê vídeos compartilhados no Whatsapp de um casal fazendo sexo uma vez por semana, no mínimo. A reação das pessoas é uníssona: isso é uma puta, uma vagabunda.
 
Creio que Jesus, em sua fala, pensou em várias coisas além da hipocrisia em si. Em primeiro lugar, se a mulher adulterou, devia ter outra pessoa com ela. Provavelmente, um homem. Onde estava ele na hora da acusação? Não importa... homem pode.
 
A primeira reação é esta: esta mulher é uma puta. E o homem? Não temos opinião formada sobre ele. No máximo, ele é apenas um macho exercendo sua função de macho: comer mulher. E a mulher que ele come é sempre uma puta. Ou seja, se uma mulher faz sexo com um homem (resguardadas as casadas), é uma puta. Interessante isso, porque a maioria das mulheres que eu conheço, seguindo essa regra, são putas. Inclusive as mulheres que acusam a pessoa do vídeo de ser puta ou as namoradas dos homens que acusam a pessoa do vídeo de ser puta.
 
Depois disso, segue o linchamento moral. A pessoa é perseguida, hostilizada, zoada nas redes sociais, alguns vão até a casa da mulher e picham o muro de “Vagabunda”. Ela só não é apedrejada (cuidado, porque isso ainda vai acontecer) porque a nossa lei não permite. Jesus olharia para isso e diria “quem são esses malucos?”. Ele, certamente, não achou correta a atitude da mulher (não vou discutir essa questão. Os princípios morais dele não estão em total uníssono com os meus). Mas o que ele demonstrou para com ela foi amor, em detrimento do ódio que os outros demonstraram. Pergunte a algum dos acusadores contemporâneos das pobres vítimas do Whatsapp o que é o amor e a compaixão, e você terá uma resposta meramente ilustrativa. Deveria vir com um aviso: as imagens aqui apresentadas não correspondem ao produto real. Nossas pedras são afiadas e é bastante incômodo se abaixar, pegar uma pedra e desperdiçar este esforço largando-a de volta no chão, sem abrir, pelo menos uma, ferida sangrenta na cabeça do nosso objeto de ódio.
 
Imaginem que filmar um ato sexual pode ser uma tara de um casal. Eles têm prazer nisso e isso melhora a sua vida sexual. Se opor a usar estratégias que aumentem o prazer sexual é como se opor a melhorar o tempero de uma comida. O prazer sexual na vida de um casal é essencial e devemos buscar as ferramentas que nos agradem para atingi-lo ao máximo. Aí eu vejo uma ameaça terrível. Para uma boa parte das pessoas, filmar é coisa de puta. “Só a minha forma de ter prazer é a certa”, pensam eles do seu profundo sentimento ególatra de que são o centro do universo. A mulher que se deixa filmar é puta. E o homem que filma.... não temos opinião formada sobre ele.
 
O que vem a seguir é a parte mais perniciosa. O homem, ofendido por um fim de namoro (ou seja lá por que razão), divulga o vídeo. Todos vêem a enorme indignidade do homem que expôs a vida íntima de alguém sem expressa autorização. Alguns dizem que ela deu brecha. Ora, existe um contrato claro: “este vídeo eu fiz para você e mais ninguém. Quero que você o veja, mas não quero que outras pessoas vejam”. É difícil entender isso? É difícil entender que uma mulher que expõe sua nudez a um homem não necessariamente quer expô-la a um outro homem? Aí o homem divulga, cometendo crime, ferindo a dignidade de uma pessoa e expondo-a ao apedrejamento. Qual a reação? Isso é uma puta. E o homem? Não temos opinião formada sobre ele.
 
O homem, em nenhum momento deste processo, aparece nas acusações. Nem mesmo quando se constata que cometeu grave delito, quando se vê que a ofensa, na verdade, foi dele. Agimos de igual modo a tribunais de alguns países em que a mulher estuprada é morta por adultério e o estuprador sai ileso. Não somos melhores do que os tribunais desses países. Esta é uma característica forte de um regime totalitário: os superiores não são obrigados a seguir as mesmas regras que os seus subalternos. Assim, a mulher é limitada por regras morais às quais os homens não são. Logo, o homem é o superior da mulher neste regime totalitário.
 
O mais triste de ver é que, não só homens, mas mulheres exercem esta opressão também. Elas mesmas julgam as outras, não imaginando que elas, em algum momento, podem ser as próximas a virar alvo das pedradas. E os homens exercem esta opressão, não sabendo eles que uma pessoa amada deles também pode virar o próximo alvo das pedradas.
 
Aí eu penso em Jesus. Leio o texto de João 1 e me pergunto o que ele faria se ele visse um compartilhamento de imagens no Whatsapp nos dias de hoje. E se ele visse essas pessoas cheias de ódio, sangue nos olhos e faca nos dentes replicando as imagens e gritando em coro ritmado “PU-TA, PU-TA, PU-TA”!? Você acha que ele se uniria ao coro com gritos de “PU-TA, PU-TA, PU-TA”?
 
Então, adaptando, a este contexto, e colocando um pouco de ênfase em uma citação do comediante estadunidense Bill Maher: se você tem qualquer uma dessas atitudes citadas acima, desculpe te dar a má notícia, mas você não é um seguidor de Jesus Cristo. Você é, no máximo, um fãzinho histérico.

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